quarta-feira, 20 de maio de 2009






[Lindo e Inquietante]


Não dizia palavras, Aproximava apenas um corpo interrogante, porque ignorava que o desejo é uma pergunta cuja resposta não existe. Uma folha cujo ramo não existe, um mundo cujo céu não existe. Entre os ossos a angústia abre caminho, ergue-se pelas veias até abrir na pele jorros de sonho feitos carne interrogando as nuvens. Um contacto ao passar, um fugidio olhar no meio das sombras, bastam para que o corpo se abra em dois, ávido de receber em si mesmo outro corpo que sonhe. Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne, iguais em figura, iguais em amor, iguais em desejo. Embora seja só uma esperança, porque o desejo é uma pergunta cuja resposta ninguém sabe.

Luís Cernuda

domingo, 17 de maio de 2009




Lembras-te de corrermos junto nos fins de tarde no meio das cearas onde fazíamos a cama e dizíamos que as nuvens eram algodão doce em forma de criaturas do céu? De quando vimos neve pela primeira vez, que a mãe nos foi buscar para a cama dela e que víamos pelos vidros da janela todos os nossos amiguinhos da rua com cenouras que davam cor aos enormes bonecos de neve que só não os construimos também porque não podias sair de casa e eu decidi ficar contigo para que não ficasses triste. E de quando estavas doente? Que brincávamos de médicos, com todos aqueles equipamentos com que crescemos e que forçadamente tiveste que aprender a viver com eles a vida toda. Quem me dera que soubesses que sinto a falta de tudo isso, mesmo quando passámos toda a nossa infância separados, que chorava de noite e chamava por ti e por aquela que ainda nos dias de hoje me faz falta todos os dias ... todas as noites. Nunca te disse na altura, não compreenderias nem eu própria o entendia, sentia apenas. Todas as vezes que via aquela mala azul, aquela azul que levava tudo aquilo de que irias precisar e mais aquilo que ainda hoje sinto que me roubaste sem teres noção disso. Ficava entregue aqueles que me tentavam dar tudo aquilo que estavas a receber, que se esforçavam em compreender o porquê do meu sorriso constante, o porquê do meu afecto por todos aqueles que eram e não eram estranhos, que me metiam de castigo porque no entender deles eu teria que beber o leite antes de ir para a escola, para crescer para ficar uma menina grande, sabendo tu que ainda hoje eu não o faço porque o detesto. Gostava que soubesses disso mais cedo, para não me estranhares agora. Gostava de ter crescido contigo mesmo que fosse sempre no hospital, chorar quando tu choravas, sentir todas aquelas dores que tu sentias, brincar naquela salinha que tu tanto falavas onde tinhas meninos igual a ti, antes queria ser como tu. Lembras-te da tua terceira classe? Onde a fazia entre a cama do hospital e o teu quarto? Que te esforçavas a fazer todas aquelas contas, copias e mais copias e eu muito orgulhosa dizia que o meu irmão era o mais inteligente lá da escola, porque conseguia passar de ano sem ter que ir às aulas. Sempre te tentei proteger, defender de todas aquelas crianças que achavam estranho a tua forma de viver. Perdoei-te todas as ausências que me causaste porque sabia que precisavas delas mais que eu. Mas hoje não te perdoou toda esta dor que me causas. Deixaste de ser pequenino, cresceste e peço-te por favor que não me leves mais uma vez aquilo que ainda me faz muita falta.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Há rupturas que nos marcam, que depois de quebrada, cicatriza e nos deixa a marca do tempo por mais laços que se criem. A angustia torna-se tão pequenina mas tão pequenina que a dor enfraquece.
Necessito correr, correr em direcções contrarias, onde passo lado a lado da meta das nossas vidas. Correr por correr de olhos vendados, sem metas que nos arrebatem os nossos sonhos. Correr, correr com mais coragem, recuperar as forças para continuar...
Correr. Correr e ganhar folgo, deixar para trás os medos, vencer as angustias, preencher a ausência, matar a saudade, erguer os escombros de tudo aquilo que nós fomos, somos e seremos em mais um novo dia. Não há meta que represente o nosso fim, há sempre um laço nos une.



... penso nele de repente, é um homem que deve fazer amor muitas vezes,é um homem que tem medo, deve fazer muitas vezes amor contra esse medo...Olhamo-nos. Ele entende o que acabo de dizer...
Marguerite Duras-L'Amant

sábado, 9 de maio de 2009


Existiu, (existe) esse ápice de tempo. Sonhei-o, vivi-o, senti-o. Agora estou cansada e esta viagem parece-me interminável.



Não, não o faço por tristeza nem superstição.
Cada noite assinalo na parede do tempo.
Presidiário que não deseja o último dia.
Apenas por te ouvir e amar,pura volúpia, gratidão de ser.
António Osório- O lugar do amor e Décima aurora (Obra Poética II)

sexta-feira, 8 de maio de 2009


O cansaço apodera-se dos dias. As esperas tornam-se silenciosas, um dia a boca há-de rasgar todo o meu silencio, onde no limite poderei cicatrizar todas as minhas feridas cravadas na pele. Tornamos-nos cinza, inventam-se segredos por dentro, mastigam-se palavras, comem-se as angústias.
Insisto em calar os sonhos ... em meter o mundo de parte ... não sei bem porque o faço, mas as fendas serão fechadas e nelas sepultadas os fantasmas que abriram um dia as cicatrizes diárias do meu peito.
Aproxima-se uma morte prematura.

... Esta noite, bêbada de desgosto, deixo-me cair sobre a cama com os gestos de uma afogada que se abandona: cedo ao sono como à asfixia...A cada momento, os meus joelhos batem um no outro à tua lembrança.O frio acorda-me, como se me tivesse deitado ao lado de um morto.


Marguerite Yourcenar-Fogos


domingo, 3 de maio de 2009


"You complete me"

sábado, 2 de maio de 2009


Há coisas que não são para perceber, há desequilíbrios tentadores em troca de presença.Poderá sim, dar fim à surdina dos dias sem espanto, dar cor às noites escuras em que o medo se apodera de um corpo, ocupar o vazio de prazer. Pergunto-me porque sou diferente, ou porque me fazes diferente. Somos mistérios de sorrisos, sabemos que a nossa diferença se torna magica, somos tão iguais que só aos nossos olhos nos compreendemos. Talvez sejamos a cobiça oculta de muitos, mas o que somos na verdade não sabemos.

"... mulheres como tu assustam. Não pedem nada e querem tudo... tenho na pele
o teu perfume, quero-te na cama comigo,... Quero dizer-te meu amor..."

Maria Aurora Carvalho Homem-Para ouvir Albinoni